Perna amputada: Como superar?
Eu cresci em um ambiente bem difícil para uma criança com brigas e discussões. Meus pais sempre brigavam e eu presenciava tudo. Até que um dia eles se separaram e por conta das dificuldades de sustentar a família, comecei a trabalhar. Então consegui o emprego em uma empresa de fertilizantes bem próxima da minha casa. A empresa não se preocupava muito com segurança e eu já havia presenciado alguns casos que me deixava bem preocupado. Num dia, o telhado do armazém desabou e por sorte ninguém se feriu. Outra vez, o operador de máquina bateu com a pá da máquina na coluna do armazém e por sorte não teve ferimentos graves. Mas, mesmo assim, ainda continuei trabalhando nessa empresa.
Tirei férias e quando voltei das férias a minha vida mudou drasticamente. Poucos dias antes de voltar de férias eu estava decidido a não continuar trabalhando ali, por conta dos acidentes que eram frequentes. Até elaborei um currículo e fui até a casa de um conhecido da minha mãe para entregar, mas ele não estava em casa. Então deixei com a sua esposa. Eu já havia comentado com a minha mãe e com o meu irmão o meu desejo de sair dessa empresa, mas ela não concordou muito e acabei ficando na empresa.
No dia 3 de junho de 2015 eu era balanceiro rodoviário e era responsável por pesar os caminhões e verificar se estavam com os pesos permitidos por lei. Nesse dia, o Manuel, meu colega de trabalho me ligou e solicitou que eu ficasse na balança do Ayrton Senna com ele. Eu prontamente concordei e me dirigi até lá. Nesse dia, a filha do meu melhor amigo Mário estava de aniversário e de noite ocorreria uma grande festa para sua filha Ludmila.
O acidente
Estávamos trabalhando quando um caminhão deu excesso de peso e o encarregado Lucas me pediu para ajudá-lo a retirar os sacos de 50 Kg do caminhão. Isso não era minha função. Subi pela grade do caminhão e começamos a retirar os sacos de fertilizantes. Depois descemos e começamos a brincar e de repente Lucas saiu correndo e eu achei bem estranho essa atitude dele. Quando olhei ele tinha ido pegar a pá carregadeira para ajudar a retirar os sacos que estavam no chão. Eu estava no chão e percebi que ele estava em alta velocidade e pensei: “Ele vai parar”. Pensei de novo: “Vou sinalizar com as braços para que ele me veja”, mas não adiantou.
A pá da máquina já havia prensado minha perna contra a parede. O Lucas desceu da máquina e vi ele sair correndo. Eu pensei que ele iria fugir do flagrante. De novo ele voltou correndo e colocou um torniquete na minha perna, pois eu estava perdendo muito sangue rapidamente.
Fiquei ali gritando e agonizando de dor, pedindo para que me tirassem dali. Sabia que eu estava morrendo. Para mim parecia uma eternidade até chegar o carro do SIATE para me prestar os socorros. Logo fui atendido pelo bombeiro que fez alguns testes para ver meus movimentos da perna esquerda.
Nesse momento Eu disse: “Eu sei que a minha perna eu já perdi, mas eu não quero morrer”. Em um trecho que eu trabalhava não havia asfalto era de chão e havia muitos buracos. Eu me lembro que eu ia gritando segurando minha perna. Junto comigo estava o Dirceu que era Supervisor e foi me ajudando a segurar a minha perna.
No hospital
Quando cheguei no hospital senti meus batimentos cardíacos bem fraquinhos e pensei comigo: “Está chegando minha hora mesmo”. Lembro-me que o hospital regional de Paranaguá ficou fechado um bom tempo por faltas de verbas, remédios e salários dos funcionários. Na reabertura ainda estavam faltando medicamentos e escutei bem claro que não havia morfina para me dar. Eu estava com muita dor e não queria ficar ali sabendo que não ia ter nem morfina pra mim. Só fui me acalmar quando me foi aplicado a morfina, então a dor sumiu na hora.
Os médicos estavam na espera do meu pai para que assinasse a autorização para a cirurgia de amputação da minha perna esquerda. A minha tia que era enfermeira entrou e viu o meu estado e falou para o meu pai: “Assina logo Valdir a autorização, senão o senhor vai perder o seu filho”. E ele assim o fez. Quando saí da sala de cirurgia a minha mãe veio me ver no corredor e eu falei pra ela: “Não vou poder mais jogar futebol mãe!” Meu pai veio no quarto e chorou muito. Poucas vezes na vida eu vi meu pai chorar.
Recuperação
Minha recuperação foi muito difícil e eu fiquei mais de 40 dias internado no Hospital de Paranaguá. Não cicatrizava e quando tive alta depois de três dias tiveram que me internar novamente por conta de uma infecção. Fui então para a segunda cirurgia devido ao fato do fio que foi usado ter sido rejeitado. Também cortaram um pedaço do osso, pois estava com início de osteomelite. Cheguei até ir para Curitiba para fazer algumas sessões da câmara hiperbárica para ajudar na cicatrização (o oxigênio é especial para esse fim). Mas não teve jeito não. Lá se foi mais um pedaço da minha perna. Após a segunda cirurgia, a cicatrização enfim fechou e comecei a fazer a fisioterapia.
Não foi fácil, pois a empresa por um período pagou uma fisioterapeuta que ia até a minha casa para me atender, mas depois de um tempo a empresa parou de pagar a fisioterapeuta a fim de que eu fizesse logo o acordo e resolvesse de vez a situação em relação a justiça. Lembro-me que o meu irmão me trouxe um documento para eu assinar para dar andamento no processo contra a empresa. Eu não assinei pois queria ouvir o que a empresa faria por mim. Levei um tempo até decidir já que o meu maior desejo era colocar a prótese e voltar com a minha vida.
Superação
Nesses momentos que vemos o quão é importante termos pessoas ao nosso lado que nos ajudem a seguir em frente. Uma delas foi a minha esposa Joice que teve muita paciência comigo e suportou firme as minhas crises. Outra foi a minha mãe, uma verdadeira guerreira. E o meu pai que muito me ajudou e se aproximou não só de mim, mas de toda a nossa família. Optei por um acordo com a empresa que comprou a prótese que eu escolhi que na época custou R$ 85.000,00, pagou alguns cursos e comprei a minha a casa. Fiz a reabilitação numa ortopedia em Curitiba. No começo foi difícil ficar longe da família e amigos, mas lá conheci pessoas que tiveram o mesmo trauma que o meu e as vezes até mais sérios do que o meu.
Eu não me aceitava, não olhava no espelho e não gostava de sair de casa. Tomei vários tipos de remédios inclusive para depressão. Quando sofri o acidente eu estava com 22 anos e tinha recém comprado uma moto e estava me descobrindo. Quem me ajudou muito e fez toda a diferença foi o Carlos Renato que também sofreu um acidente em que sua perna foi esmagada por um porta container. Me espelhei nele e vi que eu também podia voltar a viver, a trabalhar e sonhar de novo.
Aceitação e conquistas
Participei do Encontro Brasileiro de Amputados que foi realizado em Florianópolis. Foi um marco na minha recuperação e reabilitação. Lá tive um choque e pude ver crianças e jovens com vários tipos de amputação e traumas. Participei de palestras e teatros que tiveram um peso muito grande na minha vida.
Depois entrei no esporte e fui atleta da Seleção Paranaense de Vôlei Sentado e tive o privilégio de conhecer alguns lugares do Brasil, como: São Paulo, Rio de Janeiro, Maringá e Maceió. O melhor que guardo comigo de tudo isso são as amizades que eu fiz por todo canto do Brasil.
Continuo casado com a Joice Gonçalves Rodrigues e temos duas lindas filhas: Jamille de 8 anos e Izadoara que completou 1 ano dia 17/04. Sou muito feliz e realizado como homem. Sou diácono da igreja O Brasil para Cristo e segundo dirigente da Igreja e líder de célula que é na minha casa. As lutas sempre virão, mas se a nossa casa estiver edificada na rocha jamais seremos abalados (Mateus 7:24-27).
Em Fevereiro de 2016 eu estava participando da SIPAT da minha empresa na palestra de Jane Peralta. Quando ela me chamou para falar sobre a prótese de braço de seu marido. Ninguém na minha empresa sabia que eu usava prótese e nem mesmo a Jane Peralta. Quando ela pediu para eu dar um recado para meus colegas que estavam na palestra então eu falei que eu usava prótese também. Então contei meu acidente. No vídeo abaixo você pode conferir a minha apresentação. Eu queria muito ter a oportunidade de falar da minha história e naquele momento essa oportunidade chegou. Já me apresentei na empresa outras vezes depois disso. Agradeço aos Amputados Vencedores pela oportunidade.
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